Silvia Binda Heiserova

Artistas em Residência
01.05.2016 - 31.05.2016

Silvia Binda Heiserova vive e trabalha em Bratislava, Eslováquia. É graduada pela Faculdade de Belas Artes da Universidade Politécnica de Valência (Espanha), onde atualmente participa de um programa de doutorado em práticas e pesquisas artísticas.

A sua prática está debruçada na crítica das estruturas de poder falocêntricas do Ocidente, bem como na simbologia e nos vestígios associados a esta temática. Ela se concentra em conceitos de poder masculino simbólico, seus contextos históricos, os mecanismos do seu estabelecimento, enquanto procura repensar os padrões de percepção social e a psicologia das cores. Assim,  tem desenvolvido trabalhos que envolvem a hibridização de elementos, cores e formas, com o objetivo de questionar a legitimidade do poder por meio dos seus símbolos.

Durante a sua participação no Programa de Residências Despina, a artista desenvolveu um projeto em torno da memória urbana do Rio de Janeiro a partir de uma perspectiva feminista. Sua pesquisa esteve focada na maneira como a história é representada e interpretada no espaço urbano através de elementos comemorativos em um contexto de hierarquia de gênero.

Mais informações
http://www.silviaheiserova.com/

Texto curatorial
por Bernardo José de Souza

A jovem artista eslovena Silvia Heiserova chegou ao Rio de Janeiro interessada em explorar o espaço urbano enquanto arena política, onde o embate entre os gêneros ganha corpo na arquitetura e nos monumentos que contam a História. Sua ideia inicial era partir dos obeliscos e monolitos encontrados pelas cidades para investigar as dinâmicas de poder que se estabe-lecem a partir das formas verticais, bélicas e duradouras; que consolidam a supremacia masculina e reforçam a força bruta, ao passo em que desprezam o papel de mulheres cujas atuações foram tão fundamentais à construção histórica quanto desprezadas pelas grandes narrativas.

Via de regra, a história é contada pelos mais fortes, pelos vencedores. Esses relatos, sejam eles escritos no papel ou erguidos em praça pública, partem de uma ideia de permanência, e mesmo de monumentalidade, e raras vezes se ocupam dos perdedores, das minorias, dos mais frágeis; em geral, tratam das trincheiras nos campos de guerra, mas frequentemente esquecem-se das batalhas travadas em outras esferas, quiçás menos públicas e de economia privada.

A premissa feminista que vinha orientando Silvia foi mantida, embora sua pesquisa tenha tomado um rumo um tanto mais figurativo. Anteriormente, a forma fálica dos obeliscos havia funcionado como padronagem, mosaico, conjunto de formas que encontravam na promiscuidade das geometrias seu teor e força políticas. Entretanto, já era possível identificar ali a construção de um repertório que enxergava, na confusão das formas, a possibilidade de articular um discurso que justamente tornasse a suposta objetividade do relato histórico uma grande e vaga abstração.

O projeto que a artista ora apresenta na Despina | Largo das Artes traça percurso similar à sua proposta original, embora desta vez vá buscar não mais na geometria do obelisco a abstração do “sexo forte”, mas sim na própria representação de figuras históricas a quase onipresença do herói masculino. Seu foco recai, portanto, sobre os bustos que ocupam os espaços públicos do Rio de Janeiro – praças, parques, passeios, esplanadas etc. Esta forma tradicional de escultura, destinada a preservar à posteridade nomes eminentes da História, constituiu-se, ao longo do tempo, não apenas em uma das mais conservadoras vertentes da escultura, como também em uma das mais reacionárias estratégias para consagrar no imaginário coletivo um sem fim de generais e militares afins.

O que vemos como resultado da pesquisa de Heiserova são um tríptico e um díptico. O primeiro, composto por três bustos ou figuras históricas em bronze: ao centro, vemos apenas a parte de trás da cabeça da cantora lírica Carmem Gomes (1900 – 1955), ladeada por dois perfis masculinos – o do líder da Revolução Acriana José Plácido de Castro (1873 – 1908) e o do abolicionista Conde de Affonso Celso (1860 – 1938) -, cujos olhares para ela convergem. O segundo, resultado da fragmentação dos bustos de Mestre Valentim (1745 – 1813), artista colonial e autor do projeto do Passeio Público no Rio de Janeiro, e de Clóvis Bevilacqua (1859 – 1944), jurista, filósofo e historiador brasileiro. Solitária em meio a duas figuras masculinas, Carmem Gomes é excessão na estatuária pública brasileira, bem como de grande parte das cidades do Brasil e do mundo. Vista de costas, torna-se emblemática das perversas lacunas históricas promovidas por uma história pública contada por homens.

A ação de Silvia Heiserová ecoa, de algum modo, o gesto do artista Fred Wilson, que em 1992, na Maryland Historical Society, em Baltimore, apresenta a instalação Mining the Museum, na qual reorganiza as peças do museu e, em uma de suas salas, exibe ao centro um globo terrestre ladeado, pela direita, por uma série de pedestais de mármore branco sobre os quais repousam as cabeças de figuras notórias dos EUA, e, pela esquerda, por outra série de pedestais de pedra negra, em cima dos quais paira a ausência de três importantes personagens negros na história daquele mesmo país.


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