Arte e Ativismo na América Latina – ano II (2017)
Em 1970, na abertura do 19º Salão Nacional de Arte Moderna (MAM-RJ), o artista Antonio Manuel se despiu e desfilou seu corpo nu pelo espaço, para apresentar seu corpo como uma obra que, mesmo não sendo selecionada pelo juri, ficou marcada como protesto contra as ações repressivas da ditadura militar – “um exercício experimental da liberdade”, nas palavras do crítico de arte Mário Pedrosa. Desde então, muitas foram as narrativas criadas em torno de “o corpo é a obra”, porém poucas mencionam que o artista executou a ação ao lado de outro corpo, semi nu: o de uma mulher, negra, de nome Vera Lúcia Santos.
Enquanto isso, do outro lado da rua, a Divisão de Censuras da Diversão Pública (DCDP) proibia explicitamente a participação de travestis em espetáculos e bailes de carnaval, entre outras ações repressivas executadas para garantir a preservação da “moral e bons costumes”, valores reacionários que alicerçam a “família-cristã”. Na literatura, a escritora Cassandra Rios teve 36 de suas obras censuradas sendo duramente perseguida. Na televisão, o programa ‘Denner é um luxo’ foi vetado por ser, segundo documento oficial, “tóxico para a juventude e que falta firmeza homérica em sua ausência total de masculinidade”.
Desde então, muita coisa mudou, mas nem tanto assim. Neste encontro estão presentes corpos sobre os quais regimes ditatoriais nunca deixaram de incidir, em diferentes medidas e desmesuras. Ditaduras que ganham novas formas, acobertadas pela falácia de uma democracia que serve ao patriarcado branco. Corpos atravessados por práticas normativas de uma sociedade classista, racista, patriarcal, machista, homolesbobitransfóbica que insiste em controlar nossos afetos, bucetas e cus.Assim sendo, este encontro propõe um diálogo entre algumas propostas dos anos 1970 e 1980 e uma geração de artistas e ativistas no Rio de Janeiro de hoje, trabalhando e repensando a ideia dos corpos-obra e obras-corpo como ferramenta política para desestabilizar normas e discursos hegemônicos. O título da exposição, que pluraliza o nome da obra a partir da qual esse debate é proposto, convoca a pensar em todos os corpos invisibilizados pela história, incluindo os muitos que não estão aqui presentes ou representados, pela história como ela nos foi contada.
Um chamamento à navegação por entre-lugares de corpos nus, cronologias de liberdade, jornais, zines, canais de YouTube, lambe-lambes, reforçadores de unhas, manifestos, pinturas, faixas e cartazes, colares, pós-pornografia, cordéis, práticas do corpo, quadrilha junina, técnicas de autodefesa, práticas de naturismo, pornopiratarias, perfomatividades e troca de afetos.
Por meio de proposições que nos convocam a pensar dissidências como potências representativas de resistências estéticas – enquanto movimentos de (re)fazer a si próprix, a um só tempo singular e múltiplo – passados e futuros se fazem presentes, em propostas polimórficas que confrontam e violam discursos normativos como ferramenta descolonizadora dos próprios corpos: ações micropolíticas de configuração de subjetividades transviadas.
Depressa, por favor, é tarde!
Guilherme Altmayer e Pablo Leon de la Barra
Esta exposição fez parte da programação da segunda edição do projeto Arte e Ativismo na América Latina, concebido e realizado pela Despina com suporte do Prince Claus Fund. Para mais informações. clique aqui.
***
PROGRAMAÇÃO DA ABERTURA
Ação de Vitor Franco do Canal TransPosição
Ocupação Sertransneja com leitura de cordel e quadrilha do Coletivo Xica Manicongo
Bankinha de pornopirata, com Bruna Kury
Alimenta Docuvenda: salgados laricas por Anitta Boa Vida e Odaraya Mello
Pi Kombucha Tropical / colaboração consciente revertida para o Programa PreparaNem
PROGRAMAÇÃO AO LONGO DA EXPOSIÇÃO
01 de julho / 10.30h
Oficina 0800 de auto-defesa a partir da técnica tailandesa Muay Thai. Com os grão-mestres Vagner Coelho e Fabio Coelho. Mais informações, por aqui.
04 de julho / 16h
Performance: Maiêutica, com Raquel Mützenberg. Mais informações, por aqui.
04 de julho / 19:30h
Pós-pornografia: Cine Clube Despina – curadoria e bate-papo por Andiara Ramos, Nathalia Gonçales e artistas. Mais informações, por aqui.
25 de julho / 19h
Noite de corpos nus: nu mandatório, celebrando cem anos de Luz del Fuego, fuxico e práticas do corpo com Guilherme Altmayer e Kleper Reis.
27 de julho / 19h
NAVALHA: Manicure show com Ana Matheus Abbade e convidadxs. Mais informações, por aqui.
04 de agosto / 20h
FINISSAGE: Encontro com artistas e marcha para o “Turma OK”, para noite de bingo, show com os melhores da casa em homenagem a Luana Muniz. Mais informações, por aqui.
SERVIÇO
Exposição “Os corpos são as obras’”
Curadoria: Guilherme Altmayer e Pablo León de la Barra
Com obras e registros de: Andiara Ramos, Ana Matheus Abbade, Anitta Boa Vida, Biancka Fernandes, Bruna Kury, Camila Puni, Carlos Motta, CasaNem, Coletivo Xica Manicongo, Eduardo Kac, Evelyn Gutierrez, Fabiana Faleiros, Fabio Coelho, FROZEN2000, Gabriel Junqueira, Indianare Siqueira, Katia Flávia, Kleper Reis, Lampião da Esquina, Luana Muniz, Lyz Parayzo, Maurício Magagnin, Mayara Velozo, Matheusa Passareli, Nathalia Gonçales, Odaraya Mello, Raquel Mützenberg, Ricardo Càstro, Tertuliana Lustosa, Turma Ok, Uhura Bqueer, Vagner Coelho, Ventura Profana & Jhonatta Vicente, Victor Arruda, Vinicius Rosa, Vítor Franco, Wescla Vasconcellos e Xanayanna Relux.
Abertura: 27 de junho, a partir das 19:00 (Exposição continua até 4 de agosto)
Visitação de terça a sexta -feira, das 11 às 19 horas
Local: Despina
Crédito da imagem: Eduardo Kac – Manifesto de Arte Pornô
Entrada gratuita
GALERIA DE FOTOS (navegue pelas setas na horizontal)
por Raquel Romero-Faz e Frederico Pellachin