Chloë Lum e Yannick Desranleau

Artistas em residência
01.11.2018 - 30.11.2018

Vivem e trabalham em Montreal, Canadá. O trabalho da dupla é multidisciplinar e está centrado na teatralidade, na coreografia e na performance, assim como no interesse em encenar uma situação e trabalhar com materiais efêmeros que são operados por meio da reutilização e dissolução. Os trabalhos recentes da dupla investigam a representação dos objetos, a condição material do corpo e o potencial transformador que corpos e objetos exercem uns sobre os outros. Esses interesses são desvelados por meio da experiência de Chloë com uma doença crônica e o efeito disso na sua parceria como Yannick, juntamente com a exploração de narrativas de literatura, teatro e televisão. Para eles, é importante mostrar o corpo em ação, a fim de ilustrar os desconfortos e descobertas táteis durante um primeiro contato entre dois corpos; é por isso que a performance e o vídeo se tornaram dois dos meios favoritos de suas práticas, em transição com seus trabalhos instalativos.

O centro de arte contemporânea Diagonale e o Conseil des Arts de Montréal, em parceria com a Despina,  contemplaram Chloë Lum e Yannick Desranleau com uma bolsa integral para participar do nosso programa de residências em novembro de 2018. A pesquisa dos dois artistas no Rio de Janeiro partiu de uma imersão nos arquivos de cartas da escritora Clarice Lispector e da exploração de figurinos e acessórios que irão compor uma performance em vídeo a ser desenvolvida em breve. Dando continuidade ao tema das doenças crônicas, a dupla quer abordá-lo a partir de um viés transformador – um acontecimento sensorial e físico que eles pretendem ilustrar a partir do fenômeno da “segunda pele”. Assim, Chloë e Yannick estão interessados ​​em aprofundar a sua investigação sobre a elasticidade dos tecidos e a capacidade que eles têm de criar um efeito de transformação na forma do corpo por meio dessa propriedade – até talvez prolongá-lo.

A dupla já expôs no Center for Books and Paper Arts, Columbia College, Chicago (EUA); no Musée d’art contemporain de Montreal (Canadá); Kunsthalle Wien, Viena (Áustria); BALTIC Centre for Contemporary Art (Reino Unido); Whitechapel Project Space, Londres (Reino Unido);  University of Texas, Austin (EUA); The Confederation Centre Art Gallery, Charlottetown (Canadá); The Blackwood Gallery, University of Toronto (Canadá) e The Darling Foundry, Montreal (Canadá).  A dupla também é conhecida no cenário musical internacional como co-fundadores do grupo de avant-rock AIDS Wolf, inclusive produzindo pôsteres de concertos premiados sob o nome de Séripop. O trabalho da dupla está na coleção do Museu Victoria and Albert, Londres (Reino Unido), no Museu de Belas Artes de Montreal (Canadá) e no Musée d’arte contemporain de Montréal (Canadá).

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Os tropicais além-trópicos – duas cenas e um interlúdio em torno da obra de Chloë Lum e Yannick Desranleau (por Daniela Mattos)

Cena 1

Calor tropical, sol no volume máximo. Sobrado 271 da Rua do Senado, escada de madeira íngreme, chão de cimento queimado, paredes brancas – chego à Despina. Chloë Lum está em pé e Yannick Desranleau sentado atrás da mesa que configura o espaço de ateliê da dupla de artistas. Num movimento de rompante abraço Chloë, enquanto isso me dou conta de que talvez esse gesto seja demasiado informal para um primeiro studio visit. De cara os dois me parecem familiares, figuras que certamente circulariam nos mesmo espaços de artes visuais e música que frequento desde os anos 1990; estou certa de que seríamos amigos próximos caso morassem no Brasil (não à toa, eu e Chloë temos um passado comum como vocalistas de bandas indie e punk); vejo que nos encontramos em nossas estranhezas e referências, agora entendo a velocidade do automatismo que me levou a abraçar os dois, talvez um tanto exagerado, mas genuíno.

Durante a conversa, sentam-se à mesa conosco Clarice Lispector, Virginia Woolf, Donna Haraway, Chris Kraus, Hélio Oiticica, Lygia Clark e a cada elemento que se chega à mesa nossa conversa parece fazer mais sentido, sempre numa toada alinhavada por questões queer, não-binariedade, ceticismo sem cinismo e risadas. Um livro de capa rosa e verde me chama a atenção, não sei se me atraem mais as cores, a visualidade das esculturas que estão na imagem da capa ou o título “What do stones smell like in the forest?” (Qual o cheiro das pedras na floresta?); minha dúvida talvez possa ser explicada pelo fato de que ver aquela publicação (mesmo sem ainda tê-la folheado), ler o título e perceber as cores da imagem da capa configuram uma experiência sinestésica, performativa. Essa sensação vai se aprofundando à medida que leio fragmentos do texto e vou virando as páginas ao mesmo tempo que ouço os artistas falarem sobre seu trabalho. Todos à mesa, acredito, também ouvem: estamos na escuta de platôs e sensações, ecos e reverbes, ruídos, melodias, distorções.

Mergulhar na obra de Chloë Lum e Yannick Desranleau pode acontecer por diferentes entradas, seja pela via instalativa e objetual, pelo caminho da performance que articula dança e música contemporâneas, pela dimensão literária, conceitual, pelo non-sense, pelo humor… são múltiplos os percursos que os artistas nos possibilitam vivenciar ativamente, seja nas performances ao vivo, via objetos que compõem instalações, em vídeos, fotografias ou em textos.

Cena 2

Desta vez chove. Nossa segunda conversa chega no ponto de reconhecer o animismo das esculturas e adereços presentes nas performances desenvolvidas pela dupla – Chloë me conta que tem o projeto de realizar uma pesquisa de Doutorado neste sentido. Observando os objetos, cartas e materiais de trabalho reunidos por Chloë e Yannick durante a residência no Despina, tudo parecia realmente ressoar aquela conversa que tivemos antes, que era continuada agora. Tudo ali parecia falar algum tipo de dialeto tropical: meu inglês derretendo aos quarenta graus cariocas, o azul turquesa do anel de Chloë (que me conta este ser apenas um de uma extensa coleção de adornos variados), os óculos de grau de Yannick que me intrigam pois fico na dúvida se são os mesmos do primeiro encontro ou não (apesar do protagonismo desse objeto no rosto do artista). Chove ainda mais forte agora, e aí então vem o aroma de chuva, é dela ou do asfalto molhado exalando o vapor que tem cheiro de pedra – acho que esse é um dos cheiros de pedra numa cidade dos trópicos, ou melhor, cidade tropicalista – e assim finalmente consigo responder a mim mesma à pergunta que dá título ao livro rosa, publicação que compõe a segunda parte do trabalho que a dupla vem desenvolvendo e que está em processo de continuidade nesta residência artística na Despina.

Yannick veste para que eu veja um dos objetos que desenvolveram durante a residência – uma mistura de casaco às avessas e parangolé, feito de vinil amarelo vivo com uma borda grande meio bege, meio rosada – e imagino como seria incrível toda uma ala de escola de samba carioca usando um adereço como aquele, depois penso como será interessante a experiência dos visitantes do open studio durante o evento de finalização da residência com aquela escultura vestível.

Nossa conversa se volta novamente a trabalhos anteriores da dupla, em especial às duas primeiras partes que integram o projeto de longa duração que eles vêm desenvolvendo nos últimos anos, e que é composto por “Is it the sun or the asphalt all i see is bright black” (é o sol ou o asfalto, tudo que vejo é preto reluzente) de 2017, “What do stones smell like in the forest?” (Qual o cheiro das pedras na floresta?) de 2018 e esta terceira parte, em processo, ainda sem título, que os artistas estão dando continuidade durante a estadia no Brasil. Sempre me surpreende o quão tropical é a visualidade das obras de Chloë e Yannick: para além disso, o quão tropicalista seu trabalho pode ser considerado, o que é reforçado pelo processo que eles realizam a cada etapa da construção de suas instalações e performances; me chama a atenção especialmente a noção de “workshop the objects” ou seja, ao experimentar com os performers colaboradores como cada objeto criado para compor as performances pode atuar e dialogar com os corpos e vozes, visto que eles também definem o que será realizado fisicamente nestes trabalhos, seja por seu peso, tamanho ou ergonomia. Outra noção que reitera isso é a de que os objetos podem ser reconvocados mais de uma vez, sendo reutilizados em diferentes performances, o que dá a tais esculturas o status de colaboradores.

Interlúdio

Senado Tomado #5 – vai se aproximando o evento que abre ao público os processos desta leva de artistas residentes e ao mesmo tempo celebra a realização de suas residências. Além da escultura vestível, amarelo vivo, com uma grande borda rosada, um pouco bege, que lembra pele caucasiana, haverá também um outro vestível de vinil preto e colorido, um capuz de paetês, além de bandeiras, criadas pela dupla e confeccionadas por um artesão de carnaval, onde estão impressos textos que discorrem sobre ser assombrado, olhar para fora estando de dentro das páginas de nossos livros ou mesmo, alguns questionamentos sobre o espaço psíquico, regras sociais e a civilidade, num tom quase poético que é cético, mas não cínico. Curiosa para ver como a dupla vai orquestrar expositivamente os objetos que surgiram desta experiência nos trópicos, me lembro do cheiro de pedra (exalado na mistura da chuva fresca sobre asfalto quente) que senti durante o segundo encontro com os artistas, aquele por meio do qual eu mesma fui capaz de responder em parte a pergunta de Chloë e Yannick sobre o cheiro das pedras. No entanto, tenho também a impressão de que junto a essa memória farejo o cheiro metálico do sol escaldante sobre o asfalto e o concreto, que acredito estar misturado com o odor acre-doce do meu próprio suor, quando então percebo: eis uma das minhas portas de entrada para as experiências artisticas realizadas por “artistas tropicais além-trópicos” como Chloë Lum e Yannick Desranleau, a serem compartilhadas e vividas publicamente pelos espectadores no evento realizado pelo Despina.

A artista, curadora e professora Daniela Mattos acompanhou a residência de Chloë Lum e Yannick Desranleau na Despina no mês de novembro de 2018.

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Galeria de fotos (navegue pelas setas na horizontal)

 

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