ZURRIBURI

Exposição
05.12.2013 - 25.01.2014

GABRIELA & ANTON – SUJEITOS À TOA
por Marta Mestre

Apenas os sujeitos que trabalham numa solidão inevitavelmente absoluta são capazes de povoá-la, não de sonhos, fantasias ou projetos, mas de encontros. “Encontram-se pessoas (e às vezes sem as conhecer ou jamais tê-las visto), mas também movimentos, ideias, acontecimentos, entidades”, escreve Deleuze.

Anton Steenbock (1984) e Gabriela Gusmão (1973) têm vindo a ter este tipo de encontros solitários de movimentos, ideias, acontecimentos e entidades desde há poucos anos, mas com freqüente regularidade nos últimos meses.

Artistas de gerações e percursos distintos, formados em realidades geográficas “antípodas”, a Alemanha e o Brasil, eles partilham exíguos 30 metros quadrados de um mesmo atelier, no Centro do Rio de Janeiro.

O que os une não são as ideias comuns, nem as pesquisas a que estão dedicados, mas processos de trabalho semelhantes, e isso dá-nos a possibilidade de falarmos em alguma coisa que está entre os dois e corre numa direção paralela, como um ziguezague, uma linha serpentinada, um vai-e-vem.

Para os nosso encontros de trabalho, foi Gabriela que deu o mote ao trazer dois enigmas para decifrar que lera num conto de Jorge Luis Borges: “zurriburi” e “sujeito à toa”. Traduzimos livremente estas duas expressões, procurando compor um chão sem raízes nem sedimentações (a música livre de seus cipós aéreos entrando na prensa artesanal de Gabriela), mas com sustentação mínima para orientar a ação (o maestro invisível que rege a partitura atonal de Anton Steenbock).

“Zurriburi” que é um quase ruído de linguagem, um barulho – zurrrriburiiiii -, mas que também se refere a um sujeito “desprezível” ou “menor” mostrando-se uma expressão feliz para um exercício de tradução entre uma brasileira que vive no mundo, um alemão que se achou aqui e uma portuguesa no fluxo.

Copio aqui um pouco da nossa troca e nossos (des)encontros:

Anton: oi queridos eu estou com o conceito mais elaborado agora – vou tentar escreve-lo hoje à noite e mando por email…. Mas esta ficando legal! 
– também já consegui arrumar o motor de para-brisa (foi uma missão!!!) e na segunda vou fazer os primeiros testes.
Dei mais uma olhada para entender melhor a palavra “sujeito à toa”;)  acho que entendi rs:
Não poderá significar, em outras palavras, “sujeito por coincidência” ?!?!

Gabriela: Para mim é quem está à disposição de situações inesperadas, entregue aos devaneios e às possibilidades de descobertas extraordinárias (…). Ele anda pronto para viver experiências sincrônicas ou “coincidentes”. O significado que você encontrou tem total fundamento. Reconheço também a ideia de alguém que anda sem destino definido, a vagar, e assim se põe a devanear. Sujeito à toa, não é necessariamente a pessoa que está à toa, mas a pessoa que está sujeita a andar à toa. Um Zurriburi anda em estado de devaneio em meio à multidão ou em paisagens idílicas e pode assim, esbarrar numa boa idéia ou numa melodia. Eu esbarrei em uma, que é o “silêncio de um sujeito à toa”. Essa minha mensagem chegou para explicar ou para confundir?

Marta: Olá Gabi e Anton. Apesar de ser muito sugestivo o título da Gabi, é necessária muita ginástica e retórica para relacionar Zurriburi com a “idiotia” dostoievskiana e o “sujeito à toa”. Ainda assim, vejo neste terreno baldio a maior possibilidade de construirmos sentidos, ainda que provisórios. Tem alguma coisa nisto de voltar a aprender a falar, e não deixo de pensar que a arte, os artistas dão forma a uma indeterminação. Como os idiotas, os “parvos” ou até mesmo os eremitas cristãos que se afastavam para viver outro tipo de experiência no mundo, também os artistas têm uma singularidade própria, frágil e provisória também.

Vejo também nestas nossas tentativas de “edificarmos” algo que é carregado de naturezas provisórias (a começar pela própria linguagem), uma marca cultural muito brasileira, e por isso muito portuguesa, que atravessa a formação do Brasil, e que se alarga ao desconhecimento que na contemporaneidade ainda temos uns dos outros.

Não chegamos a quaisquer conclusões, e disparam-se pontos de partida sem avistar pontos de chegada, tendo o trabalho acontecido até à montagem nas imprevisíveis direções que formam a sua imprevisível pertinência. A maior parte das vezes acontece assim.

Contudo, durante todo o tempo deste nosso encontro não parei de tentar encaixar um elemento, que os próprios artistas trouxeram como potencial elo de ligação jamais comunicado: as gaivotas. No trabalho de Gabriela Gusmão ganharam corpo em grandes chapas metálicas na parede exterior da galeria Gentil Carioca (2012), e no trabalho de Anton surgiram na publicação “Gaivotas”, contendo fotografias de pichações anônimas das ruas do Rio de Janeiro (2010).

Existia agora um elemento “comunicante”, e não mais o silencio do encontro. Através da gaivota, elemento de interesse comum, cada um encontrava no outro num devir único que não é comum aos dois, mas que os afeta e os aproxima.

Fiquei a pensar que, mesmo não sendo uma chave de leitura sobre o trabalho de ambos, faz algum sentido que sejam pássaros o que os aproxima. Também eles sujeitos à toa, na liberdade dos céus e quebrando as regras, capazes de longas distancias, percursos de solidão, como as pessoas, como os artistas.

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