Nasceu na Irlanda. Vive e trabalha em Paris. A sua prática artística aborda noções de identidade e de “tomada de lugar” relacionados ao espaço. Utilizando linguagem cartográfica, Susan procura desmantelar os sistemas utilizados para apresentar territórios. Por meio de uma estratégia política objetiva, a artista pretende criar um novo vocabulário para expressar realidades negligenciadas em diferentes ambientes. Esta pesquisa toma forma na escultura em papel, instalação, desenho e algumas técnicas de corte. Esta abordagem, que se aproxima de uma especie de “abstração cartográfica”, visa expressar a complexidade da localização de uma forma tátil. Susan prioriza a luz e os materiais delicados para enfatizar a natureza frágil dos diferentes sistemas em questão, ecológicos ou sociais, e as tensões inerentes contidas nesses espaços.
Durante a sua residência no Rio de Janeiro, a artista buscou se concentrar na identidade geográfica local e na conformidade desta com a estratificação social. Para tanto, examinou alguns terrenos locais e a morfologia urbana inerente a eles, além dos efeitos sobre os dramas sociais, culturais e políticos da cidade. Utilizando-se de formas plásticas, Susan busca uma resposta poética às repercussões amplas do colonialismo e à formação dos territórios. Seu processo de investigação envolve a política de identidade, arquitetura e distribuição de recursos, além do conceito de resiliência como resultado do “mal-estar” em uma região e também como uma constante na natureza humana e dos territórios – considerando aqui que todos os sistemas de vida estão em um estado de fluxo constante, resistência e processo de “reparação”. Um de seus projetos de residência é desenhar no texto “Pour Une Topologie Sociale”, do arquiteto e antropólogo francês Philippe Bonnin, que observa o papel do espaço em nossas sociedades, tendo em vista os fatos sociais e as suas relações de influência, bem como os aspectos psicológicos e emocionais.
Exposições recentes:
Construct the Future, Hoxton Gallery, Londres, Reino Unido; What if We Got it Wrong?, F.E. Mc William Gallery, Co.Down, Reino Unido; Et si on s’etait trompe?, Irish Cultural Centre, Paris, França; Relational Geographies UAL Gallery, High Holborn, Londres, Reino Unido; Ce n’est pas une heure pour les histoires de revenants, Rentrons! Villa Belleville, Paris, França; Young, SO Fine Art Editions, Dublin, Irlanda; Carnet de Reves III, Gallery Les Moulins, Ile-de-France, França; Describing Architecture: Work in Progress, The Octagonal Room, Dublin, Irlanda; Carnet de Reves II, Gallery Les Moulins, Ile-de-France, França; La Belevedere, Subjective Mapping, projeto instalado no Belleville Park, Paris, Describing Architecture: scale and medium, Architectural Association of Ireland, Dublin, Irlanda; Genius Loci, ‘Axa in Action’ AXA, Praga, República Tcheca.
Residências recentes:
Joya Arte y Ecologia Residency, Andaluzia, Espanha, 2015: Food Water Life, residência de inverno no Banff Centre, Alberta, Canada, 2013/5; La Forge, Belleville, sob a direção do Point Ephemere.
Texto curatorial
por Bernardo José de Souza
(Hi) Brazil: das utopias de ontem às distopias de hoje
O interesse de Susan Leen pela cartografia fez com que a artista estudasse os mapas da Europa Central antes de embarcar em sua jornada rumo ao sul, para um período de residência no Rio de Janeiro. Ao fechar seu foco sobre a costa iralndesa, e mais especificamente ainda, sobre um pequeno corpo presente nas cartografias desenhadas durante a alta Idade Média (por volta do século XIV), descobriu algo que conectaria sua terra natal, a Irlanda, ao distante país tropical que escolheria como destino: a ilha Hi Brazil, situada às coordenadas 52.0942532 N e 13.131269 W de alguns mapas, abriria um novo e sui generis flanco na pesquisa promovida pela artista.
Muito embora esta ilha não mais figure no mapa-múndi, investigações quanto à sua natureza envolta em mitologias, ensejam uma série de elucubrações que a dotam de renovado interesse ao pensamento contemporâneo. Segundo reza a lenda, Hi Brazil seria uma terra de prazer perpétuo e festejos, jamais alcançada pelos meros mortais. O trecho a seguir, extraído de um poema medieval dá conta de sua aura mística:
“No oceano que esculpe as rochas onde moras,
Uma terra enigmática apareceu, é o que contam;
Os homens a consideraram uma região de luz e descanso,
E a chamaram de O’Brazil, a ilha dos Bem-Aventurados.
Ano após ano, na margem azul do oceano,
A linda aparição se revelava encontadora e suave;
Nuvens douradas encortinavam o mar onde ela se encontrava,
Parecia um Éden, distante, muito distante.”
Uma rápida e descompromissada pesquisa pelo Google – outro mundo repleto de mitos, lendas e mentiras – nos permite embarcar em uma miríade de estórias fantásticas a alimentar a esquecida existência daquele pedaço de terra insular jamais encontrada. Entre os relatos, alguns remetem a um reino de gente sábia e sofisticada, outro alude a existência de gigantes coelhos negros, enquanto muitos dão conta de um mundo de abundância e alegria.
O que salta aos olhos, à imaginação e à crítica, entretanto, é o fato de, mesmo antes do descobrimento do Brasil, haver já uma mística envolvendo esse nome, a qual sinalizaria antecipadamente todas as outras mitologias que se seguiram e permanecem, até os dias de hoje, assombrando ou apaziguando, dependendo da ótica, logicamente, a alma do povo brasileiro. Sete séculos mais tarde, este país que ora prospera e ora regride, mas sempre investido de renovada esperança e carga romântica, segue frustrando expectativas e enaltecendo discursos tão demagógicos quanto populistas.
Já adiantado o século XX, o escritor Stefan Zweig referirir-se-ia ao Brasil como o “país do futuro” (1941), algo que serviria tanto à retórica do então ditador Getúlio Vargas quanto ao mote “50 anos em 5”, entoado por Jucelino Kubitschek em seu governo também responsável pela construção de outro espaço utópico a povoar a imaginação mundial, a cidade de Brasília. Mais recentemente, não obstante, outra vez o Brasil encontra-se envolto em uma espessa cortina de fumaça, tal qual aquela da ilha jamais materializada na costa da Irlanda. Os últimos dez anos de aparente prosperidade, que por fim alçariam o país à tal sonhada condição de país do futuro, terra mítica sempre disposta a abraçar supostos pensamentos utópicos, acabariam por envolver o nome Brasil, outra vez mais, em uma espessa e enganadora cortina de fumaça: justamente aquela que encobriu as críticas quanto ao governo do presidente Lula e que agora também serve para embalar o processo de impeachment à presidente Dilma Roussef.
Susan Leen não poderia, quer seja por intuição ou mero acidente, ter descoberto melhor metáfora para descrever o quanto há de ficção na construção da História. Mais do que isso, sua pesquisa sobre Hi Brazil, face ao presente momento histórico atravessado pelo Brasil, não poderia ter sido mais oportuna.
Na instalação que apresenta na Despina | Largo das Artes, exibe fotografias e um filme registro da ação que desenvolveu no Largo São Francisco, o qual acaba por revelar o quanto vivemos uma crise de imaginação. Distantes da sempre requentada utopia a impulsionar o Brasil vez que outra rumo ao futuro, as pessoas que circulavam pela praça histórica do centro carioca, e que lá deparar-se-iam com uma linha de pó branco a desenhar no pavimento os contornos de Hi Brazil, pareciam ignorar por completo a presença de um corpo estranho na geografia daquela praça repleta de gradis e banhada pela História. Por sobre ela, caminhavam sem tempo ou disposição para divagações. A realidade atual parece não mais nos autorizar a devaneios.
Mas, sim, haveria de existir uma centelha de esperança: a única criatura a reconhecer a existência de Hi Brasil sobre as pedras portuguesas daquele Largo foi uma criança de rua, que gastou seu tempo a brincar sobre os esmaecidos contornos daquele pedaço de utopia no mundo contemporâneo.
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