Nascida em Toronto, vive e trabalha em Montreal (Canadá). Recentemente, apresentou seu trabalho no The Loon, Toronto; Galeria CK2, Nova York; The Darling Foundry, Montreal; Model Projects, Vancouver; no Musée d’Art Contemporain de Montréal, entre outros espaços. Já participou de inúmeras residências nacionais e internacionais, incluindo estadias no The Couvent des Récollets, Paris; Residência Quebec-Nova Iorque (financiada pelo Conselho das Artes e Letras do Québec); o Banff Center, Alberta e o Atlantic Center for the Arts, na Flórida (trabalhando com o artista Josiah McElheny). Também é responsável pela gestão do espaço L’escalier (juntamente com os artistas Jon Knowles e Vincent Bonin), localizado em Montreal.
Sua prática artística transita pela fotografia, instalação e, mais recentemente, pela utilização de materiais como vidro e bronze. Sua linguagem formal e uso de materiais aludem a idéias desenvolvidas através do planejamento urbano e da teoria urbana. Seu trabalho está centrado em exemplos específicos de arquitetura, planejamento urbano e psicopatologias do século XX.
Os projetos de Bauer geralmente são caracterizados como relacionados ao espaço, levando a um resultado final que respondeu a um local e contexto específicos. Seus interesses são amplos e variam de tópicos que vão da planta urbana da cidade de Paris – em particular as velhas arcadas e o cultivo subterrâneo de cogumelos nas catacumbas parisienses -, “Haussmannização”, jardins utópicos da costa oeste norte-americana dos anos 70 até as cartas de Walter Benjamin para o amante, descrevendo a ilha de Ibiza durante seu exílio. Todos esses projetos tratam de espaços e a maneira com que eles moldam as percepções individuais e a correlação entre o ambiente natural e o ambiente construído.
O centro de arte contemporânea Diagonale e o Conseil des arts de Montréal, em parceria com a Despina, contemplaram Bauer com uma bolsa integral para participar do nosso programa de residências. No Rio de Janeiro, a artista pretende pesquisar e fotografar a paisagem urbana da cidade e como esta se cruza e se encaixa no ambiente natural exuberante, que inclui as florestas tropicais. Em particular, a artista irá concentrar a sua pesquisa em um dos mais proeminentes nomes da arquitetura paisagística do Brasil, Roberto Burle-Marx (e seus contemporâneos). A filosofia de Burle-Marx é contígua a dos modernistas canadenses, Arthur Erickson e Cornelia Oberlander, ambos já pesquisados pela artista em projetos passados. Todos esses visionários do design paisagístico utilizaram plantas nativas e materiais naturais locais, o que é revelado na continuidade entre espaços construídos e naturais, na atenção plena sobre como nos movemos pelo espaço e no interesse peculiar por reflexo e materiais que refletem. Tendo como ponto de partida seus projetos anteriores, Bauer deseja examinar assuntos relacionados ao desenvolvimento urbano e renovação urbana e, em última análise, questionar sobre o que escolhemos construir ou destruir em nosso ambiente local (tanto natural quanto artificial) e como isso pode refletir na nossa ideologia e no inconsciente coletivo.
Mais informações
www.lornabauer.com
Texto curatorial
por Alexandre Sá
Lorna Bauer é canadense e tem uma trajetória que conjuga múltiplas linguagens e que conta com a fotografia como eixo norteador. Para essa residência a preocupação primordial foi intercalar as relações entre a arquitetura, a paisagem e a natureza. Se no começo havia o desejo de investigar as proposições e o legado de Burle Marx, aos poucos a artista redescobre o trabalho de Margareth Mee e suas ilustrações que surgem aqui como um fio condutor para o estabelecimento de uma relação performática com o público, num jogo sagaz que questiona nossas heranças, nosso processo catalográfico e botânico, além da nossa ignorância diante daquilo que nos erige. Embora a elegância e o refinamento visual sejam elementos identificáveis em sua trajetória, o diálogo direto com o espectador e a abertura poética representam inquestionavelmente um giro em sua produção. Importante considerar que o tempo curto e a pluralidade de referências não foram um impedimento para a pesquisa da artista. Embora tenham ocorridos alguns giros dentro de tal processo, o desejo fundamental de pesquisar as relações de aproximação e distanciamento entre a paisagem e a arquitetura estabelecendo vínculos minimalistas foi mantido.
Apesar de ter conseguido ultrapassar todas as exigências feitas pelo Sítio Burle Marx e ter finalmente conseguido registrar pequenos instantes e composições no espaço, a artista termina por compreender que a lógica fotográfica estabelecida ali não era suficiente para uma apresentação a ser feita para o público. Talvez seja possível considerar que o mais interessante deste processo, é, no caso de Lorna Bauer, o fato de uma certeza empírica muitíssimo potente que não faz concessões ao público. Embora isto possa parecer em um primeiro momento, um problema na relação entre obra e espectador, aqui, o que surge, é um inquestionável poder de manter-se como estrangeira dentro de uma lógica entrópica que eventualmente deseja tornar sempre o artista, parte de um exercício antropológico ou etnográfico. Provocando por consequência, a falsa sensação de que tal figura seria capaz de compreender o lugar do outro. E mais, estar diluída na figura do outro-cultural. Esse sintoma contemporâneo, surgido a partir de outros trabalhos nos anos 2000, pode ser sempre uma cilada extremamente complexa para a nova geração, principalmente no caso de viagens e residências; inevitavelmente influenciadas por todo o histórico de pintores viajantes e pela relação onipresente e perigosíssima estabelecida entre colonizados e colonizadores.
Por outro lado, a ausência de interação e permeabilidade de experiências, pode desembocar em uma sensação de neutralidade mútua que termina por não justificar um processo de residência. Se como já havia defendido em um texto chamado A obra de arte na era da reprodutibilidade turística, somos atualmente, turistas de turistas de nós mesmos, em que medida o processo de deslocamento entre estados, países e continentes, ainda é relevante para o processo de formação do artista-pesquisador?
Para Lorna Bauer, tal processo de transferência, incluindo suas reverberações psicanalíticas, é e foi fundamental para um processo de transmutação do olhar e inversão de uma lógica de adestramento que toda a produção poética, quando ligada ao sistema, é capaz de provocar. Apesar de percebermos uma postura ligeiramente distanciada, quase brechtiana, diante do seu objeto de pesquisa e neste caso, da própria brasilidade, tal posicionamento termina por promover um certo tipo de clausura epistêmica que reinventa o seu trabalho, apontando para novas questões e novas linguagens. Importante destacar que aqui, no Despina, a artista optou por idealizar uma performance, tendo um botânico como realizador. Tal exercício nunca havia ocorrido dentro de sua trajetória e considerando sua tendência inquestionavelmente formalista, trata-se de uma pequena revolução. Íntima. Pessoal. E vizinha do torpor micropolítíco.
Galeria de fotos
(por Frederico Pellachin)