Romeo Gongora

Artistas em Residência
01.11.2016 - 30.11.2016

Romeo é um artista visual canadense-guatemalteco. Sua prática envolve principalmente a participação e está baseada em uma metodologia pedagógica radical, cujo propósito é ativar a consciência humana e sócio-política por meio de projetos coletivos. Entre algumas de suas colaborações no campo artístico, destaque para: Rencontres de Bamako (Mali), CCA – Lagos (Nigéria), Centro de Arte Torun (Polônia), Festival Belluard (Suíça), HISK (Bélgica), The Office (Berlim) e Open School East (Londres). Em 2007, participou de uma residência de dois anos no Rijksakademie Van Beeldende Kunsten (Amsterdam). Em 2009, representou o Canadá como um artista em residência na Künstlerhaus Bethanien (Berlim) e no Acme Studios (Londres), em 2016.

O centro de arte contemporânea Diagonale e o Conseil des arts de Montréal, em parceria com a Despina,  contemplaram Romeo com uma bolsa integral para participar do nosso programa de residências em novembro de 2016.

Durante a sua estadia no Rio, Romeo coordenou o workshopSonhos despertos: novos modelos de identidade”, uma experiência coletiva que durou três semanas e que envolveu um processo de pesquisa sobre identidade e experimentos vestíveis para uma sociedade utópica (veja registros desse processo na galeria de fotos abaixo).

Os participantes do workshop criaram coletivamente uma coleção de roupas pensada para uma sociedade utópica. Algumas questões que foram abordadas durante os encontros: Qual é o significado de “identidade” em uma sociedade utópica? Como os cidadãos irão se vestir? Que tipo de vestuário e códigos comportamentais estes cidadãos terão acesso?

A metodologia participativa dessa atividade foi inspirada nas técnicas desenvolvidas por Augusto Boal no seu “Teatro do Oprimido”; na noção de consciência crítica, teorizada por Paulo Freire; e em algumas técnicas de pesquisa-ação participativa de Orlando Fals Borda.

O resultado foi exibido na última SAARA NIGHTS de 2016, em 29 de novembro. No espaço da nossa galeria e dos ateliês, aconteceu uma performance nos moldes de um desfile de moda (trechos disponíveis no vídeo a seguir)

Um fanzine também foi lançado e distribuído. Clique na imagem abaixo para baixar uma cópia digital no formato PDF.

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Participantes do workshop
Alan Muniz, Carol Delgado, Carla Ferraz, Cedric Wiegel, Ivaldo Correia, Izabela Stuart, Juliana Salles, Ludymila Santana, Marcela Fauth, Mariana Avillez, Mariana Carvalho, Mariana Milleco, Michele Augusto, Raya Van Der Kroon, Viviane Cunha.

Mais informações sobre Romeo Gongora
www.romeogongora.com

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Texto curatorial
por Raphael Fonseca*

O percurso do artista Romeo Gongora (nascido no Canadá e de família guatemalteca) depende sempre de um elemento externo e indomável: a colaboração de outras pessoas. Com um percurso de mais de dez anos, sua pesquisa se caracteriza pela capacidade de criar situações propositivas em que a participação de grupos heterogêneos é mais do que importante, ou seja, se faz essencial. O artista também se caracteriza por estabelecer essas redes de contatos em diversas localidades do mundo. Essa opção faz com que camadas de alteridade cultural sejam somadas às diferentes existências que o ato de reunir grupos de diversos indivíduos por si só já traz.

De uma experiência com o cinema de ficção científica em Kinshasa, no Congo, à exploração de diferentes sentidos corporais em Torun, na Polônia, se percebe que vem em primeira instância o intercâmbio intelectual e de imagens entre o artista e os participantes ativos de suas propostas. Diferente de um artista-etnógrafo que se apropria ansiosamente de algum elemento cultural destoante de si, Gongora parece mais interessado na individualidade desses participantes, deixando os dados acerca de uma identidade nacional em segundo plano ou mesmo como informação dispersa no resultado final de seus diálogos.

O trabalho que o artista desenvolveu nesse mês de novembro na Despina, no Rio de Janeiro, dá prosseguimento a este processo de criação. Interessado na existência de sociedade utópicas, Gongora deseja pensar junto a uma multiplicidade de mãos e mentes a respeito das formas que este conceito de utopia poderia receber contemporaneamente. As utopias seriam apenas desejos impossíveis de uma imaginação frutífera ou haveria alguma brecha nas sociedades contemporâneas para experimentá-las? Essa pergunta central foi desenvolvida com cerca de quinze participantes que se debruçaram sobre um aspecto específico dessa possível sociedade utópica: o vestuário.

Como seriam as roupas de uma sociedade utópica? A partir dessa pergunta, esse grupo formado no Rio de Janeiro discutiu por meio de quatro encontros centrais e diversos outros momentos de troca informal na Despina. Foram debatidas as diferentes experiências que cada integrante já possuía e seus pensamentos sobre o corpo e o traje foram levados da fala para a criação de imagens. Colagens foram feitas coletivamente e problematizaram diferentes noções de identidade. Cartazes com palavras e frases a respeito das relações entre roupa e identidade também. Paralelamente a essa criação textual e de imagens, os participantes experimentaram com diferentes materiais e com seus próprios corpos novas formas de se pensar uma fisicalidade imersa na miríade de identidades contemporâneas e também as imagens que um corpo coletivo poderia tomar.

Ao observar as experimentações desse grupo e sua articulação com a pesquisa de Romeo Gongora, é interessante lembrar de artistas tão caros à história da arte e da imagem no Brasil que também pensaram a relação entre corpo e identidade. Se pensarmos na própria narrativa histórica de formação do Brasil, os muitos encontros entre culturas e vestuários dados pelo hibridismo entre africanos, europeus e indígenas por si só são dados de importante lembrança. Como resposta a essa confluência de tradições, um artista como Flavio de Carvalho e suas experiências desenvolvidas em São Paulo por meio de sua relação individual com as multidões é um caso possível de se relacionar com esse trabalho desenvolvido na Despina. Seu “New look”, de 1956, chamou a atenção da mídia e dos passantes que viam aquele senhor de mais de cinquenta anos passeando com uma saia e outros acessórios mais confortáveis para o clima tropical.

Se Carvalho foi um dos pioneiros nessa área de investigação, os parangolés de Hélio Oiticica, as roupas relacionais de Lygia Clark, o “Divisor” e seu pensamento sobre um corpo coletivo de Lygia Pape, todos desenvolvidos durante os anos 1960, também são boas referências. Por fim, mais recentemente, artistas como Ayrson Heráclito, Laura Lima e Márcia X desenvolveram pesquisas que apontam para outras rotas, mas que certamente podem ser apreendidos como frutos dessa articulação entre corporeidade, ficção e identidade.

Muito há por se pesquisar e propor dentro dessas articulações e os quatros conceitos propostos pelo manifesto que compõe o fanzine desenvolvido para a mostra de encerramento da residência de Romeo na Despina apontam para isso: liberdade de gênero; consciência e interconexão; simplicidade dos processos e horizontalidade. Em tempos de extrema liberdade de expressão no que diz respeito à virtualidade, mas de opressão escancarada em nossa vivência física cotidiana, esses desejos de mudança são mais do que bem-vindos – são essenciais. Faz-se urgente que percebamos a amplitude de narrativas identitárias que o vestir pode nos trazer tanto na esfera da prática artística, quanto na nossa vivência banal rotineira.

Parece-me, então, que essa proposta criada por Romeo Gongora e agora possuidora de vários autores diferentes, se faz importante e abre caminho para que outras proposições de múltiplas autorias  sejam desenvolvidas pelos próprios participantes desse workshop. Duas cabeças pensam melhor do que uma e mais de dez cabeças podem acender o estopim de uma pequena revolução.

* Raphael Fonseca é curador de exposições de arte contemporânea e de mostras de cinema. Doutor em História e Crítica da Arte pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e mestre em História da Arte pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Escreve para as revistas ArtNexus, Dasartes e Performatus. Venceu o Prêmio Marcantonio Vilaça para as Artes Plásticas na categoria curador em 2015.

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Galeria de Fotos (navegue pelas setas na horizontal)
Fotos: Frederico Pellachin

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