Joe Williamson

Artistas em Residência
01.01.2016 - 29.02.2016

Joe Williamson vive e trabalha em Nottingham (Reino Unido). Graduado em Artes Visuais pela Norwich University of the Arts, com passagem pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa (Portugal). A prática de Joe normalmente envolve questões que procuram redefinir e desconstruir a maneira como o ser humano ocupa o espaço. Através do uso de materiais do cotidiano e materiais esculturais mais tradicionais, ele sustenta uma verdade poética de como podemos situar-nos entre os objetos. Durante o período de sua residência no Rio de Janeiro, Joe permitiu que influências locais penetrasssem na sua obra (no que concerne à história cultural do Rio), com o intuito de criar algo que estivesse em sintonia com temas vigentes na sociedade contemporânea. Joe tem um fascínio particular por coisas que são “quase invisíveis” e a tensão que envolve a longevidade dos objetos.

Texto curatorial
por Bernardo José de Souza

Fluxos iconográficos acompanham movimentos migratórios e respaldam estratégias de dominação política, embalando assim o crescente processo de globalização posto em marcha com as grandes navegações e recentemente intensificado graças às novas tecnologias da informação – formações culturais que antecederam a era moderna tendiam a ficar circunscritas a seus limites geográficos, logrando tão-somente cruzar suas fronteiras territoriais imediatas. Durante o período colonial, entretanto, ao extrapolar barreiras marítimas até então insuperáveis, impérios europeus constituíram postos de dominação avançados, além-mar, erguidos às expensas de seu poderio bélico e de sua força econômica, mas também às custas de expedientes sub-reptícios de imposição cultural, forjados pelas vias transversas das crenças religiosas e da miscigenação cultural, resultando em sociedades sincréticas destituídas das raízes culturais que as haviam engendrado.

Após passagem pela academia de belas-artes em Portugal, o artista inglês Joe Williamson veio dar nos costados brasileiros, mais especificamente no Rio de Janeiro, esta colônia lusitana entre os séculos XVI e XIX e que, por boa parte desse período, foi explorada concomitantemente pela coroa britânica, a quem os portugueses submetiam-se tanto econômica quanto politicamente. Sua prática artística eminentemente escultórica versa sobre a transitoriedade da iconografia, sobre a instabilidade das malhas simbólicas e, mais particularmente, sobre a potência semântica de objetos investidos de alto teor icônico e político.

Destituídos de sua aura primordial, deslocados de seu ambiente natural, os objetos e materiais eleitos pelo artista parecem sofrer do mesmo estranhamento experimentado pelos povos expatriados, subtraídos de sua herança cultural. Em que pese a transformação arbitrariamente imposta a esses objetos pelas mãos do artista, eles resistem e preservam parte de seus atributos essenciais. Ao criar formas híbridas, anomalias simbólicas em renovados contextos, Williamson vai gradativamente solapando o terreno estável do cânone ocidental e estabelecendo um diálogo profícuo entre forma e conteúdo, entre produto e obra de arte, entre passado e presente.

Há, todavia, uma certa esquizofrenia latente nas obras do artista; ao passo em que as esculturas exibem sua nova natureza aos olhos do público, libertas em seu novo corpo, elas parecem padecer de um mutismo vernacular, caladas diante da impossibilidade de voltar a estabelecer relações absolutas com seus referentes originais.

Nesta toada, Williamson dá corpo e alma a um conjunto de obras que derivam de sua vivência no Rio de Janeiro e que bebem na fonte da antropofagia: um coco eloquente, uma fruta dotada de boca, capaz de inverter a relação usual entre conteúdo e continente, entre explorado e explorador, tensionando assim as possibilidades semânticas deste ícone da tropicalidade brasileira; uma bandeira anglicana costurada à moda dos mosaicos de pedras portuguesas, destituída de sua geometria original, tornada agora um amálgama das tensões históricas, isto é, um símbolo em retalhos que não mais conta a história oficial de seu império, mas justamente aquela excluída da construção simbólica oficial, remetendo tanto às conflituadas relações entre Inglaterra e Portugal quanto ao ícone que a engendrou: São Jorge, padroeiro de ambos os países; uma pequena poesia que desmantela o nexo verbal e a coesão semântica, gerando um jogo semiótico que revela o processo criativo do artista; um candelabro onde os oito templários ali representados abandonam seus respectivos templos para fumar um cigarro, subvertendo a matriz religiosa da peça em nome de um ritual profano e mundano forjado pelo vício ocidental, materializado numa carteira de Marlboro árabe; e uma garrafa híbrida d’água/vinho tinto, contrapondo o teor sagrado de ambas as bebidas à sede das massas depauperadas, à voracidade do mercado e à própria artificialidade que embala a natureza na sociedade de consumo.

 

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