wanja kimani

ARTISTAS EM RESIDÊNCIA
15.05.2022 - 30.06.2022

Wanja Kimani foi a artista selecionada para o Artists in Residence do Programa Plural, uma realização do British Council Brasil em parceria com a Despina.

Wanja Kimani nasceu no Quênia e vive no Reino Unido. Seu trabalho flui entre performance, filme, texto e materiais têxteis. Movida por histórias sobre pessoas e lugares reais e imaginários, ela se insere em narrativas e usa seu corpo para explorar rituais, objetos e a paisagem rural.

Durante sua residência, Wanja partiu de uma pesquisa ao arquivo feminista Compa – Arquivo das Mulheres para encontrar o fio condutor para desenvolver um novo trabalho em vídeo. Através do acervo da coletiva Slam das Minas, a artista chegou à poesia de Genesis Poeta, que rendeu um trabalho colaborativo filmado no Rio e no Reino Unido: Pele/Skin.

O Artists in Residence é um programa on-line de residências artísticas na área da arte e cultura que tem como objetivo desenvolver ideias, experimentar novas práticas e criar conexões.
As demais artistas selecionadas e suas respectivas organizações brasileiras parceiras, são: Susan Thompson – Instituto Mesa (RJ), Annabel McCourt – Diversa (SP) e Jelly Cleaver – PretaHub (SP).

Texto curatorial sobre Pele/Skin:

Pele de contato

por Camilla Rocha Campos

“A pele manifesta quem somos e é também uma fronteira entre o cuidado do outro e o autocuidado” (Gênesis Poeta)

“Nossa cultura é nosso sistema imunológico” (Marimba Ani)

Duas artistas em composição. A elaboração do vídeo arte começa com a pesquisa em um arquivo, com uma voz e uma escrita. Organizado pela Despina em colaboração com Lanchonete <> Lanchonete, Compa – Arquivo das Mulheres “é o primeiro arquivo digital colaborativo brasileiro totalmente dedicado à memória, histórias, lutas, conquistas, iniciativas, micropolíticas e revoluções cotidianas das mulheres e do movimento feminista no Brasil”, segundo o site do projeto.

Antes da divisão geopolítica do mundo definir em mapas o contorno exato das divisões administrativas através de fronteiras, a circulação de pessoas, sobretudo com a intenção do comércio, gerou o que foi chamado de línguas de contato. As línguas de contato eram o resultado entre a relação de duas línguas para se formar uma terceira e assim tornar possível a comunicação entre diferentes povos. Eram línguas pertencentes a territórios temporários que ao mesmo tempo traziam a ideia de respeito e troca cultural, interação e influência.

Foi a partir do poema Pele de Gênesis Poeta, artista brasileira, que Wanja Kimani, artista queniana baseada na Inglaterra, propôs o contato que antevê o corpo e que as une, a princípio, pela sonoridade pois uma não compreende a língua da outra. Poema encontrado no Compa – Arquivo das Mulheres que aqui funcionou como o território temporário de encontro, unindo linguagens distintas pela pesquisa cultural. Aqui, é possível identificar, portanto, uma pele de contato que justapõe a interação e a vontade franca de comunicação e troca entre as duas artistas. No vídeo Pele/Skin, criado por Wanja em resposta ao poema citado, o corpo é marca presente. Corpo que apresenta gesto, ou necessidade, de se guardar e proteger-se, corpos que desenvolvem um vocabulário feminino comum. E que enquanto propriedade de si se fazem instrumentos de suas culturas, possibilitando, como diz Marimba Ani, o fortalecimento de seus próprios sistemas imunológicos.

Ao assistir a um vídeo de um senhor contando sobre sua doença de pele, Gênesis dá corpo para sua poesia, entrelaçando sua pele ao depoimento pessoal desse homem. Ao escutar a poesia de Gênesis, Wanja coloca seu corpo em uma arquitetura inacabada em ruínas, estabelecendo entre seu corpo e a casa sem teto uma relação que se cruza em histórias inconclusas, histórias de porvir. Na narrativa de Gênesis o flow guia a jornada que no começo do vídeo recai sobre os movimentos do corpo de Wanja em uma casa de estilo Elizabetano (séc. XVII) exposta a luz do sol e outras intempéries. No Brasil e na Inglaterra o tijolo de barro cru e descascado é o pano de fundo comum do tempo resgatado em superfície. Estrutura de parede que, tal qual pele, é extensão de lugar e relaciona dentro de si as dimensões de morte e mudança ao longo do tempo. Nesse ponto, o envelhecer da pele se aproxima ao envelhecer da arquitetura e a poesia que antes é som sem lugar, ganha dimensão visual. Ambas apontam para o caráter do que ainda pode ser desenvolvido, elementos que por não anunciarem o fim, indicam aberturas: de enredo, de caminhos e de futuro.

Na busca de ser antídoto de si, a pele-corpo de ambas buscam contato e aparatos de proteção e ressignificação na palavra e na matéria bruta. A casa é a carapaça que muitas vezes o corpo precisa para se resguardar, mas a superfície que anuncia o limite precisa de brilho, de memória de força. E nesse momento nossa cultura é corpo, memória é incorporação do conhecimento, sugerindo transformações em todas as estruturas, alteração de paradigmas pessoais e sociais, em coletividade transatlântica. As metáforas que cabem a partir dessa estética são muitas. A pele, que é o maior órgão do corpo humano, usada como superfície de contato, limite, relações com sensível e como premissa de cada argumento estrutural que instaura a partir da colonialidade a ordem mundial que subjuga a partir da raça. Nesta videoarte, pele traz encontro, manifesta doença, marca histórias pessoais, desenlaça o prazer: aqui transformação e desejos estão imunes.