Algum tempo atrás, pensando sobre maneiras de se guardar a memória individual nessa luta sutil contra o próprio desaparecimento, em como deixar traços que possam ser experienciados por outros, cheguei aos gabinetes de curiosidades do Renascimento, também conhecidos como salas de maravilhas. Estas coleções eram inventários particulares da vastidão e do sublime do mundo reunidos em uma sala. Um lugar devocional, com nenhuma categorização aparente, mas cuja exposição buscava produzir maravilhamento e incitar nos visitantes sua própria (re)coleção imaginária do mundo. Proto-museus individuais ou teatros do mundo, esses recintos eram como diários tridimensionais do que produzia maravilha em uma pessoa.
O que quer que orientasse os primeiros donos dos gabinetes de curiosidades, algo em comum os agrupava: o desejo de aproveitar da sua posição para realizar um inventário do mundo. Um modo talvez de se apropriar desse universo em transformação, onde os traços da história começavam a ganhar uma visibilidade inédita na vida individual.
Nos dias atuais, onde museus tomaram a função de guardiães da história comum dos homens, onde as categorizações ganharam a força dos incontornáveis, o desejo de realizar o seu próprio inventário do mundo, a sua própria coleção de maravilhas, no entanto, não nos abandonou. Visível na incomensurável quantidade de blogs e na proliferação de redes de relacionamento virtual, mais do que nunca a força dos inventários continua a levar indivíduos a dedicar uma boa parte do seu tempo a coletar, a reunir, para depois compartilhar com os demais. Ao mesmo tempo o ato de colecionar parece uma busca por testemunhas do seu presente e por lançar-se, ainda que de maneira trôpega, incerta, no desafio de que ao se criar um outro passado visível, um outro futuro possível acabe sendo gerado. Uma história sem a obrigação de sentido, de verdade. Pontos de desvio, pontos de inauguração de sentidos, portas para outros universos.
Gustavo Ciríaco
curador e idealizador
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Pensada como um encontro, Sala de Maravilhas reúne um conjunto de artistas, entre os que trabalham com Ciríaco há anos e os que lhe são companheiros de cena, de história, todos envolvidos na construção de um lugar, de um inventário, de um presente passado futuro em uma sala de maravilhas.
Sala de Maravilhas se lança assim à aventura de criar uma coleção de experiências de um grupo de artistas e sua ativação em tempo real no espaço compartilhado com as demais pessoas. Uma coleção de suas trajetórias artísticas, dos seus dias, de sua inserção em uma história da arte da cena, dos seus imaginários e dos de uma época. Uma coleção de homens e mulheres, de mundanos, de brincantes, de sincretistas, de tropicálias revividas. Uma coleção de sublimes.
Este projeto foi contemplado pelo FADA 2012 (Fundo de Apoio à Dança da Cidade do Rio de Janeiro) e integrou o programa International Creator in Residence, promovido pela Tokyo Wonder Site em uma colaboração multimídia com 9 artistas japoneses (Tóquio, 2012). Sala de Maravilhas | Rio é acolhido pela Despina | Largo das Artes no quadro e em continuidade do seu projeto Ações Contemporâneas.
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