No Calor da Batalha!

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28.10.2016 - 25.11.2016

Arte e Ativismo na América Latina – ano I (2016)

Sob o signo dos trópicos, o projeto Arte e Ativismo na América Latina nasce do desejo de articular ideias e práticas artísticas enraizadas num continente tão diverso quanto unificado diante do constante embate entre o passado histórico colonial e a sempre renovada promessa de um futuro redentor (utópico?), bem como entre as forças de dominação econômica e cultural e o sonho de maior independência política e ampla experiência democrática.

Ao relativizar não apenas os laços culturais comuns a unir os países latino-americanos, mas também as diferenças inerentes a geografias e heranças coloniais distintas, este programa busca instituir uma plataforma de debate e ação que investigue novas estratégias artísticas para fazer face ao conjunto de dilemas e crises políticas atualmente enfrentadas em escala local, regional ou mesmo global.

Para tanto, Despina, em parecria com o Prince Claus Fund, promove um inusitado encontro entre artistas cujas preocupações políticas se estabelecem no coração de suas práticas criativas. Neste ano I do projeto (2016), três artistas foram convocados a viver conjuntamente no Rio de Janeiro para que, individual e coletivamente, desenvolvessem ações artísticas, pesquisas e estratégias de ocupação e tensionamento das variadas noções de espaço público.

A exposição “No Calor da Batalha!” conta com um conjunto de trabalhos especialmente desenvolvidos pelos artistas Bubu Negrón (de Porto Rico), Crack Rodriguez (de El Salvador) e Luciana Magno (de Belém do Pará) durante o período de dois meses, em que viveram em solo carioca. Entre obras audiovisuais, instalativas e performáticas, destacam-se as ações públicas que respondem ao calor do momento político que mobiliza o debate em território nacional.

Inspirado nas fanfarras e blocos carnavalescos cariocas, Jesus Bubu Negrón orquestra um ato performático que explora a “surdez” e o “mutismo” que caracterizam a ausência de transparência na circulação de informações e o desprezo pelas vozes minoritárias no Brasil e na América Latina contemporâneos. Neste sentido, tambores e trombones são tocados sem que seja possível ouvir os sopros e as batucadas, produzindo, assim, um descompasso entre a tensão dos movimentos desempenhados pelos músicos e a ausência absoluta do som. Ainda, o artista porto-riquenho investiga os trabalhadores informais de rua – camelôs – para estabelecer o debate sobre a cultura de consumo e descarte de mercadorias, bem como sobre as estratégias de sobrevivência num mercado que descarta cidadãos e suas forças de trabalho.

Crack Rodriguez parte das manifestações que acaloraram confrontos entre policiais, professores e estudantes em cidades brasileiras que se deram na esteira da ocupação de escolas públicas em 2016 e que ganharam fôlego renovado recentemente em função das MPs 746 e 241, que reveem o programa de ensino médio no país e os fundos destinados à educação, respectivamente. Utilizando carteiras escolares como elemento escultórico, simbólico e performático, o artista de El Salvador promove um movimento de queda coletiva simbolizando a derrubada das estruturas verticais de poder nas instituições de ensino.

Já Luciana Magno estabelece uma crítica direta ao sistema político em vigor no Brasil, o qual enseja a formação de siglas de aluguel sem efetiva representatividade popular e reflete o absoluto descompromisso com programas políticos de clareza ideológica. Em meio às turbulentas eleições municipais – que se desdobram pari passu ao processo de impeachment de Dilma Roussef e às investigações da Lava-jato -, a artista do Pará lança o partido político BLA (Brasil Libertário Anárquico), o qual desloca-se pela cidade, entre comícios e outras manifestações de rua, difundindo seu discurso indecifrável e suas palavras de ordem na expressão da onomatopeia BLÁ-BLÁ-BLÁ, que serve como sigla para a agremiação de caráter anarquista.

Enquanto as ações e performances aconteceram no espaço público – mote das residências e debates que ocorreram neste primeiro ano do projeto Arte e Ativismo na América Latina -, o espaço expositivo da Despina apresentou registros em vídeo das performances, elementos residuais das experiências nas ruas e obras escultóricas e instalativas que remetem às pesquisas levadas a cabo pelo grupo de artistas em seus dois meses no Brasil.

Ao relativizar o papel da arte – seu usual compromisso com a produção material e, portanto, com a circulação de objetos/mercadorias de valor tanto simbólico quanto comercial -, o projeto estabelece o debate acerca da desmaterialização da obra de arte e de sua ampla circulação em ambientes não institucionais.

Bernardo José de Souza
curador

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Para saber mais sobre os artistas e a primeira edição do ARTE E ATIVISMO NA AMÉRICA LATINA, clique aqui.

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por Frederico Pellachin